quarta-feira, 30 de setembro de 2009

"Um dia de calor" ou "Ônibus: em tudo que é lugar é assim"

quarta-feira, 30 de setembro de 2009
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Toma o ônibus. Ao subir os degraus prateados, protege a saia com as mãos para não dar chance ao próximo que entrar de ver seus fundilhos.
Dirige-se às poltronas do fundo. Lá, meia-dúzia de jovens pirralhos fazem algazarra pós-letiva.
Um deles lhe dirige a palavra, deixando escapar uma graçola daquelas que só os rapazes mais afoitos de hormônios borbulhantes são capazes de proferir.
Ela franze a testa. Tempo fechado, ela só pensa em dar um murro daqueles e em mandá-lo distrair-se longe dali a contar os pelos do próprio corpo.
Percebendo ser esta tarefa deveras simples e que não levaria mais do que alguns poucos minutos para que o engraçadinho a realizasse, contenta-se em mandá-los à puta que os pariu.
O garoto se cala, enquanto os outros dão-lhe mocas e apontam para ele, conforme fazemos com os miquinhos no zoológico.

Era visível sua irritabilidade naquele início de tarde. O sol tostando o topo das cabeças dos passantes nas ruas.
Dentro do coletivo, nem sequer um sopro, que dirá brisa.
Na testa, surgem inúmeras gotinhas de suor, que como um casal na estação de trem, reencontram-se e se unem, correndo ainda mais rápido pela face da menina, que a enxuga com um lenço de papel.

Neste momento, adentra, não-pagante, um vendedor de balas. O pobre homem poderia estar matando, poderia estar roubando, como bem sabemos. Mas não. Ele estava ali, incomodando o silêncio da viagem, para apresentar a sensação do momento, a distração da sua criança. São os deliciosos chocolates com leite condensado, sem maribel ou gordura trans. Apenas um real.
A compra do saquinho mostra-se uma vantagem, pois, como dizia o comerciante de guloseimas, nas Americanas o mesmo doce era vendido a dois reais e cinquenta centavos.
Assim, ela estende a moeda e toma para si a embalagem. Morde o primeiro pedaço e vê que não é lá grandes coisas. O chocolate nem é tão cremoso, é da metade do tamanho do plástico que o envolve e bem levinho.
Desta forma, tão pequeno, não demorou muito para que ela colocasse tudo logo na boca e esquecesse do gosto e do mal investimento. Ao menos uma coisa era certa: não tinha mesmo mirabel.

Puxa a cordinha. O ônibus pára muitos metros após o ponto. Irritada, olha para o motorista como fosse arrancar-lhe os rins pelos ouvidos. Agradece-lhe, como dama que é. Desce as escadas com as mãos na saia, pois sabe que a maior distração destes senhores é olhar a bunda das passageiras quando estas descem pela porta dianteira.

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1 luz(es) no fim do túnel:

Carol Pitzer disse...

Só pra constar... adoro o seu blog. Acho que só por sentir que não estou sozinha nas minhas crises existenciais... Ok... foi um comentário só pra um monte de coisas que eu li hoje, pois não vinha aqui há algum tempo... enfim... marquemos uma cerveja quando eu voltar pro Brasil.